Exatamente dessas capacidades ditas de se autodeterminar e
deliberar é que deriva a noção de responsabilidade pelos próprios atos e
explica porque, até hoje, loucos e crianças – figuras que simbolizam o não
desenvolvimento de tal aptidão psicológica – não são juridicamente imputáveis.
Podemos dizer, então, que a autonomia visa colocar como atributo central do
humano aquele que era o atributo divino por excelência, a saber, o de ser causa
sui. Isso faz com que no campo da autodeterminação o homem sempre deva agir de
forma a ignorar o campo externo da contingência, o campo dos afetos e da
imaginação, frutos do desejo e da ação do mundo empírico sobre os sentidos. Em
última análise, a autonomia cinde o homem e instaura um regime judicial em seu
interior, tribunal esse da razão prática pura em que o homem sempre age segundo
o dever. A consequência imediata é que autonomia se vincula de forma quase que
inseparável à ideia de liberdade e, o mais surpreendente, a coloca exatamente
em um horizonte normativo a priori, infinitamente distante das paixões, do
desejo, do mundo e das condições empíricas. O segundo aspecto da figura da
humanidade do homem é um conceito que deriva da estética e aqui chamamos de
autenticidade. Ela está intimamente ligada à noção de expressão autêntica de
determinada individualidade em diferentes campos da existência, como no
trabalho, na linguagem, na vida afetiva, etc. O homem que não cria para si o
próprio estilo de expressão no mundo padece de uma vida inautêntica, alienada,
completamente determinada exteriormente. O que está em jogo nesse caso é a
incapacidade de viver uma vida singularmente realizada, uma prisão de conduta
estereotipada. Dessa forma, uma individualidade bem constituída deve ser capaz
de ser reconhecida dentro das relações intersubjetivas de uma sociedade,
expressando de forma plena, através do próprio estilo, sua autenticidade e
valor frente aos outros, não conhecendo distância entre as potencialidades de
sua individualidade e a plena atualização objetiva destas. Por fim, temos na
ideia de unidade um conceito que tem por função agir como princípio que
assegure a síntese de toda a representação. Essa unidade da apercepção garante
não apenas que eu me reconheça de forma reflexiva como senhor de toda minha
vida mental, como também está na base da coerência de uma personalidade
unificada, capaz de compreender-se como um eu sempre presente no desdobrar
temporal, momento a momento. Apenas para ficarmos em um apontamento, podemos
ver como essa qualidade tida como essencial do humano regula instâncias
fundamentais para a vida do homem, quando pensamos, por exemplo, no campo da
normatividade psicológica, vide os diversos distúrbios capazes de quebrar tal
unidade: processos patológicos que alienam o eu de si mesmo, tornandoo não mais
capaz de se autoreconhecer.

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